BLOGUE DA ESCOLA SANTA MÔNICA _ PELOTAS/RS

"Chega mais perto e contempla as palavras.

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Pobre ou terrível, que lhes deves:

'Trouxeste a chave?' "

(Carlos Drummond de Andrade. Procura da poesia)

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Texto: elementos intra e extratextuais

Imagem: escultura "O beijo", de Rodin
"Texto: elementos intra e extratextuais
Por Teresinha Brandão
O amor é finalmente
um embaraço de pernas,
uma união de barrigas,
um breve tremor de artérias,
uma confusão de bocas,
uma batalha de veias,
um reboliço de ancas,
quem diz outra coisa é besta

(Gregório de Matos)
Temos lido em posts anteriores sobre textos, tecer, produzir e contar textos... Mas, afinal, o que podemos entender por "texto"?
É comum e verdadeira a afirmação segundo a qual um texto admite a possibilidade de mais de uma leitura, mas não menos verdadeiro é o fato de ele não aceitar toda e qualquer leitura.

Essas leituras são viáveis porque não há separação categórica entre autor/leitor/texto/contexto. Todos esses elementos são constitutivos do processo de leitura. Sobre isso, lembremos:

1º) O texto não é o ponto de partida nem de chegada do(s) sentido(s) pois, se os aspectos exteriores a ele (as condições de produção, noção a referida posteriormente) são determinantes na construção de sentido(s), há de salientarmos que o próprio texto, no seu interior, também sugere pistas linguísticas (assim como as pistas contextuais) para o leitor compreendê-lo. Explico mais detalhadamente essa afirmação valendo-me do poema acima, cuja autoria remete à época do Barroco no Brasil, aqui, acompanhado da escultura _ embora de mármore, ardente! _ O beijo, de Rodin.

Na tentativa de definir o amor, o poeta cria, por meio da escolha e da combinação lexical, imagens que, na mente do leitor, apontam para a hipótese de uma leitura do poema: o amor "carnal" é, para o eu-lírico, o "verdadeiro" amor, absoluto e único. "Quem diz outra coisa é besta" ratifica essa concepção absoluta e exclui muitas outras possibilidades de leitura do texto.

Os termos selecionados _ artérias/bocas/veias/ancas/, e ainda, embaraço/união/tremor/confusão/batalha/reboliço _, quando combinados, funcionam como pistas, inseridas no interior do próprio texto, aludindo à concepção do amor carnal como valor/sentimento máximo defendido pelo eu-lírico.

2º) O(s) sentido(s) de um texto não é (são) determinado(s) exclusivamente pelo seu autor uma vez que, se assim o fosse, entenderíamos claramente a intenção desse autor ... Será possível captar-se plenamente essa intenção?

3º) Esse(s) sentido(s) não é (são) determinado(s) igualmente pelo leitor já que explicações como "Mas essa é a 'minha' leitura" ou "Essa é a leitura que 'eu' fiz do texto" permitiriam ao leitor tornar-se fonte exclusiva e principal de sentido(s), possibilitando-lhe, assim, apropriar-se de "toda e qualquer" leitura.

4º) Por fim, ressalto a importância das condições de produção e das pistas contextuais, estas a serem analisadas posteriormente. No entanto, a estrutura linguística não pode ser ignorada sob a pena de o texto "ficar à deriva" dessas condições de produção que, no decorrer do tempo, não necessariamente podem ser resgatadas.

Mais tarde, trataremos das condições de produção da leitura e dos textos, bem como de suas implicações relativas à concepção de texto/discurso."

Se desejarem informações sobre Rodin e Gregório de Matos, cliquem respectivamente em 1 e 2.
Publicado originalmente em Tear de Sentidos (aqui). Aguardem! Bj!

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