BLOGUE DA ESCOLA SANTA MÔNICA _ PELOTAS/RS

"Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.

E te pergunta, sem interesse pela resposta.


Pobre ou terrível, que lhes deves:

'Trouxeste a chave?' "

(Carlos Drummond de Andrade. Procura da poesia)

quarta-feira, 17 de março de 2010

Ginásios e academias

Esta sexta-feira 19, o Colégio São José de Pelotas faz cem anos. No apogeu de riqueza e cultura que vivíamos em 1910, uma iniciativa política organizou, em conjunto com a Igreja Católica, essa empresa educativa que dura até hoje. A criação de uma escola só para meninas, ousada novidade muito bem acolhida na época, me fez pensar sobre a origem de nossos outros colégios tradicionais.

Em 1895 começou a funcionar o Gymnasio Gonzaga, instituição católica para a formação masculina, e em 1902 o Gymnasio Pelotense, reação da maçonaria para educar cidadãos de pensamento liberal. A rivalidade ideológica extrapolou os muros de cada escola com as passeatas do Gato Pelado, denominação dos jovens do Pelotense a partir de 1938, quando a música da marcha “As Pastorinhas” foi tomada para compor o hino carnavalesco do colégio de homens que rivalizava com o religioso e bem-comportado Galinha Gorda.

Na criatividade juvenil, as iniciais escolares GP e GG derivaram em símbolos sociais: o gato-pelado se identificava com a origem humilde de muitos seguidores do liberalismo (o ateísmo democrático da época) e a galinha gorda seria a sátira para os meninos bem-alimentados do catolicismo (resquício do monarquismo proibido desde 1889).

O que poucos consideravam eram os significados de “ginásio” e sua origem grega (denunciada pelo “y”, letra abolida no português do século XX).

A palavra se referia originalmente a um lugar para fazer exercícios físicos sem roupa (gimno = nu), prática nudista num tempo em que não existiam camisetas, nem calções nem sapatos acolchoados – estamos falando da antiga Grécia, quando somente os homens participavam na vida pública e a educação dos meninos valorizava o esporte e as letras por igual.

Do ginásio atlético saiu a ginástica, prática física com roupas leves, dentro dos pudores sociais. Na Europa do século XIX, o lugar delimitado para exercícios se estendeu ao estabelecimento de ensino como um todo – daí os nomes dos nossos colégios, academias e liceus. No Brasil, pelo menos na região Sudeste, o ginásio ganhou terceiro sentido, mais abstrato: o nível educacional dos 4 últimos anos do que hoje se chama “ensino fundamental”. Até 1973, tínhamos o primário, o ginásio e o colegial.

O espanhol nos dá um quarto sentido, que denuncia outra de nossas contradições. O que eles chamam de “gimnasio” para nós são as modernas academias, aonde muitos vão para suar e baixar de peso. Curiosamente, a Academia original ateniense, fundada por Platão com o nome do herói lendário Akademos, foi uma vertente de estabelecimentos e costumes intelectuais, não esportivos. Por exemplo, as academias literárias e os diretórios acadêmicos.

O país do futebol e do eterno verão transformou os “ginásios” em escolas para a mente cerebral – aonde se vai bem vestido – e as “academias” em ginásios corporais, onde se fica quase pelado (em português, duplo sentido de “sem pelo” e “sem pele”). Como os gatos pelotenses, que se orgulham dos seus estudos acadêmicos.

Uma das músicas mais típicas de academia de ginástica é “YMCA” (1978), inspirada na Associação Cristã de Moços inglesa, fundada em 1844 para acolher pessoas pobres e dar-lhes educação integral.
Itálico

Francisco Antônio Vidal, 49, é psicólogo formado no Chile, mestre em Saúde e Comportamento (UCPel, 2010), editor do blogue Pelotas, Capital Cultural (aqui) e etimologista autodidata. É colaborador do Alquimia com a seção Palavras sobre Palavras. Com este texto, aabou por colaborar também com "Histórias de Pelotas". Desejo-lhes uma excelente quinta-feira! Bj, Tê!

Um comentário:

Teresinha Brandão disse...

Gostaria de comentar acerca do texto acima, destacando a maneira como Francisco trata da "história das palavras"... É muito prazerosa a leitura da seção por meio da qual ele colabora no Alquimia, sempre contextualizando as informações e, neste texto em especial, contando um pouco da história da nossa cidade, que, para muitos talvez seja desconhecida. Os alunos, com certeza, não conheciam o grupo que fez muito sucesso nos anos 70/80, o Village People. Com sua performance exagerada e divertida, o grupo tinha fãs no mundo inteiro e vendeu milhões de discos, tornando-se "mania" entre os adolescentes da época!

Também é provável que muitos não conheçam o porquê do emprego dos termos Galinha Gorda ou Gato Pelado, assim como a origem do termo "ginásio"... As "academias de ginástica" funcionavam de uma forma diferente. Desse modo, vamos conhecendo um pouco do passado de Pelotas, do funcionamento dos colégios/escolas de outras épocas... Enfim, é interessante aprender História dessa forma, não? Grata ao Francisco! Bj, Tê!