Por Francisco Antônio Vidal
Às vezes fico surpreso quando, falando de palavras, vejo que alguém não sabe a origem de alguma, muito óbvia para mim. Mas é nesses casos que posso comentar o que sei e descobrir detalhes menos óbvios. Foi o que me ocorreu há uns dias: ao mencionar os trombadinhas descobri os pivetes.
As crianças e adolescentes que roubam pessoas na rua desenvolveram a técnica de dar esbarrões (trombadas) em suas vítimas para distraí-las, às vezes em dupla de assaltantes: um aplica a violência visível e o outro comete o delito, sem dor e sem ser percebido. O autor ficou com o nome da ação (trombada, golpe com a tromba, nariz ou focinho). O diminutivo é pela idade do delinquente; não pelo tamanho do golpe. Também por proximidade, os guardas ficaram como "seguranças" (substantivo abstrato feminino que virou concreto masculino; só no Brasil).
Ora, se o trombadinha era um bandido denominado por sua técnica, ficou depois associado com a idade dele também, virando sinônimo de criança pobre. Veja a curiosa definição do Wikcionário para trombadinha: "cidadão menor de idade, que - sem recursos para viver já que ficou sem família - é obrigado a roubar para sobreviver nas ruas". Mas é possível um "cidadão" ser menor de idade? O que obriga a criança a roubar é a falta de recursos? Ao fazer 18 anos, já é ex-trombadinha? Aquela vírgula depois de "idade" transformou o assaltante em sinônimo de criança?
A trompa (da onomatopeia trump) originou trompetes, trombetas e trombones. A tromba do elefante faz esse ruído e a palavra ficou significando "nariz". Trombar é dar de nariz. A tromba d'água tem forma de tromba de elefante; as trompas de Eustáquio e de Falópio também. Não confundir com "trombo", que significa coágulo (daí a trombose).
No nosso mundo social, onde pobreza, violência e amoralidade se misturam, apareceram os pivetes, simplesmente crianças (do espanhol pebete, menino), que por associação (brasileira, e especificamente de SP e RJ, segundo o Aurélio) ficaram com o sentido popular de "menor ladrão". Ao contrário do trombadinha, o pivete é uma criança que virou assaltante, na sinonímia popular. Nossa linguagem reflete nossas confusões morais e nossa tolerância à corrupção e à impunidade. Se fôssemos politicamente corretos e seguíssemos o Estatuto da Criança, teríamos que revisar e talvez até proibir a música de Chico Buarque e Francis Hime (1978), Pivete.
Francisco Antônio Vidal, 49, é psicólogo formado no Chile, mestre em Saúde e Comportamento (UCPel, 2010), editor do blogue Pelotas, Capital Cultural (aqui) e etimologista autodidata. Colaborará com o Alquimia com a seção Palavras sobre Palavras.
Às vezes fico surpreso quando, falando de palavras, vejo que alguém não sabe a origem de alguma, muito óbvia para mim. Mas é nesses casos que posso comentar o que sei e descobrir detalhes menos óbvios. Foi o que me ocorreu há uns dias: ao mencionar os trombadinhas descobri os pivetes.
As crianças e adolescentes que roubam pessoas na rua desenvolveram a técnica de dar esbarrões (trombadas) em suas vítimas para distraí-las, às vezes em dupla de assaltantes: um aplica a violência visível e o outro comete o delito, sem dor e sem ser percebido. O autor ficou com o nome da ação (trombada, golpe com a tromba, nariz ou focinho). O diminutivo é pela idade do delinquente; não pelo tamanho do golpe. Também por proximidade, os guardas ficaram como "seguranças" (substantivo abstrato feminino que virou concreto masculino; só no Brasil).
Ora, se o trombadinha era um bandido denominado por sua técnica, ficou depois associado com a idade dele também, virando sinônimo de criança pobre. Veja a curiosa definição do Wikcionário para trombadinha: "cidadão menor de idade, que - sem recursos para viver já que ficou sem família - é obrigado a roubar para sobreviver nas ruas". Mas é possível um "cidadão" ser menor de idade? O que obriga a criança a roubar é a falta de recursos? Ao fazer 18 anos, já é ex-trombadinha? Aquela vírgula depois de "idade" transformou o assaltante em sinônimo de criança?
A trompa (da onomatopeia trump) originou trompetes, trombetas e trombones. A tromba do elefante faz esse ruído e a palavra ficou significando "nariz". Trombar é dar de nariz. A tromba d'água tem forma de tromba de elefante; as trompas de Eustáquio e de Falópio também. Não confundir com "trombo", que significa coágulo (daí a trombose).
No nosso mundo social, onde pobreza, violência e amoralidade se misturam, apareceram os pivetes, simplesmente crianças (do espanhol pebete, menino), que por associação (brasileira, e especificamente de SP e RJ, segundo o Aurélio) ficaram com o sentido popular de "menor ladrão". Ao contrário do trombadinha, o pivete é uma criança que virou assaltante, na sinonímia popular. Nossa linguagem reflete nossas confusões morais e nossa tolerância à corrupção e à impunidade. Se fôssemos politicamente corretos e seguíssemos o Estatuto da Criança, teríamos que revisar e talvez até proibir a música de Chico Buarque e Francis Hime (1978), Pivete.
Francisco Antônio Vidal, 49, é psicólogo formado no Chile, mestre em Saúde e Comportamento (UCPel, 2010), editor do blogue Pelotas, Capital Cultural (aqui) e etimologista autodidata. Colaborará com o Alquimia com a seção Palavras sobre Palavras.
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