No post anterior, mencionei um episódio no qual Gandhi, tendo mentido, escreve uma carta ao pai relatando suas mentiras e pede para que seja castigado. Justo e generoso, o pai comove-se com a humildade do filho, chora, e nega-se a castigá-lo. Acerca desse fato narram as autoras: “Naquele momento, ele compreendeu que, mesmo sem uma única palavra, sem uma ação, sem um único gesto, você pode transformar o outro”. (Grifos meus). Há uma clara alusão, já na infância, desse acontecimento à criação da obra A única possível revolução é dentro de nós, escrita posteriormente por Gandhi e à sua conduta como um futuro líder pacifista mundial. E citam um conhecido ensinamento desse líder: "Seja você a mudança que quer ver no mundo".
Ao revelarem as inquietações, angústias e vitórias da "criança Gandhi" _ como o denominam carinhosamente _, as autoras vão conduzindo, de forma gradativa e minuciosa, os leitores à tese segundo a qual uma pessoa, para se "transformar" num grande líder e servir como um exemplo de vida para a humanidade, necessita percorrer um longo trajeto. Nesse sentido, o imediatismo mostra-se uma armadilha em que muitos falsos heróis ainda acreditam... Os pequenos leitores podem, assim, concluir: são em falsos valores nos quais os falsos heróis se ancoram.
Mas e os verdadeiros heróis como pautam sua vida? Orientam-se por valores tais como a alimentação saudável, o consumo responsável, a coerência entre seus ideais e suas ações, a arte de meditar, a oração, o respeito ao próximo, a humildade, o amor à natureza, o jejum, entre outros, salientados por Ligia Miragaia e Maeve Vida, e associados sempre a um acontecimento específico vivenciado por Gandhi. Cada passo e decisão na vida do nosso herói são destacados na obra sempre como fruto de uma profunda reflexão. Não havia para ele, como bem destacam as autoras, a possibilidade de ser guiado por atos intempestivos.
Ligia e Maeve também se preocupam em delimitar os princípios da não-violência e da não-obediência. No entanto, têm o cuidado de frisar que esses princípios não fazem de Gandhi um anti-herói. Ao contrário, salientam a importância da transgressão, da resistência pacífica para responder a atos violentos. Assim deve ser o comportamento das pessoas, resultante da inteligência divina e da espiritualidade. Eis, então, o "método" de Gandhi para se insurgir contra as injustiças na África do Sul, onde viveu durante um tempo, e na Índia, sua terra natal e local onde criou uma comunidade para reunir seus irmãos adeptos da não-violência. Infere-se da narrativa que, apesar de usarem o sufixo "não" em relação à violência e à obediência, as autoras visam apontar para o seu contrário. Em outros termos: Gandhi era a favor da paz, a favor da igualdade entre as castas na Índia e entre os povos de um modo geral.
No que respeita às questões de gênero, as autoras questionam valores próprios do que se convencionou denominar senso comum. Contrariando o ditado popular segundo o qual "Atrás de um homem vencedor há sempre uma mulher", procuram ressaltar a importância que as mulheres exerceram na vida de Gandhi. Ao se reportarem à sua esposa, afirmam: "Ela sempre esteve a seu lado, lutando junto pelas mesmas causas, chegando, também, algumas vezes, até a ser presa. E quando não estava na prisão, junto com ele, continuava liderando as manifestações pacíficas iniciadas por Gandhi. [...] Sempre ao lado de Gandhi, Kasturbai foi também uma grande heroína da paz". E acrescentam num capítulo à parte, dedicado a registrar sinteticamente os dados biográficos de nosso herói: "Sua mãe chamava-se Putlibai, era analfabeta, mas possuidora de grande sabedoria [...]. Foi ela, pelo seu exemplo, quem mais influenciou Gandhi por toda a sua vida." (Grifos meus).
As autoras haviam questionado: "Como um homem pode ter a coragem de [...] se transformar no maior exemplo de paz da Humanidade?". Elas narram, então, quem foram outros grandes líderes que influenciaram Gandhi a lutar pela paz: relatam o encontro do nosso herói com Paramahansa Yogananda, com quem aprendeu a arte de meditar _ Kriya-Yoga _, ressaltam a influência também de Jesus, Krishna, entre outros, apontando para um grande ideal de Gandhi: o respeito, acima de tudo, a todas as religiões.
Além disso, o layout _ símbolos como o elefante, o lótus, a lamparina, o cisne, a roca, a concha/o caramujo, o sol, as expressões hindus grafadas nas ilustrações, as vestimentas típicas _ da obra propicia às crianças-leitoras uma viagem à Índia, um contato com uma cultura bastante diferente da nossa.
Depois de ler Gandhi, o herói da verdade, pergunto: não é lindo as crianças descobrirem, de uma maneira tão suave e tão rica em detalhes, esse potencial de também elas mesmas poderem se transformar em heróis da paz?
Magnífico, não? Embora adulta, li a obra com a curiosidade de uma criança! Às professoras e aos professores da escola, leiam-no às suas crianças! O mundo precisa de renovações e são elas a âncora das transformações da humanidade! A nossa querida Diná tem um projeto de contação de histórias na escola... Quem sabe...? Bjs! Tê!
Nenhum comentário:
Postar um comentário