BLOGUE DA ESCOLA SANTA MÔNICA _ PELOTAS/RS

"Chega mais perto e contempla as palavras.

Cada uma tem mil faces secretas sob a face neutra.

E te pergunta, sem interesse pela resposta.


Pobre ou terrível, que lhes deves:

'Trouxeste a chave?' "

(Carlos Drummond de Andrade. Procura da poesia)

segunda-feira, 19 de abril de 2010

Trailers e dogs

Por Francisco Antônio Vidal

Na década de 1970, as velhas carrocinhas de cachorro-quente deram origem à febre das lanchonetes em trailers. Enquanto os carrinhos de pipocas, sorvetes, churrasquinhos e xarope gelado ficaram como parentes pobres, os lanches subiram de nível, em modernidade, tamanho e lucros. Passaram a habitar casas-rodantes (que realmente rodavam), rebocadas por um carro qualquer.

Nos Estados Unidos, essas casas chamam-se trailers (do verbo e substantivo trail, que significa “trilha”, ambas palavras com raiz no latim). Em inglês, um “trilhador” é um carro sem tração, puxado por outro. Estranho? O primeiro Trailer teria sido (provavelmente) o nome próprio de um veículo desse tipo, batizado como Caminhante ou Seguidor. Hoje, no país do Tio Sam, qualquer reboque com duas ou mais rodas – e até mesmo uma casa-móvel (de tração própria) – é um trailer.

Pela influência americana, um trêiler também é um curta-metragem que publicita filmes maiores. Na origem dos film trailers, houve uma incrível inversão de sentidos: os primeiros anúncios de cinema com antecipação de cenas eram mostrados no final dos filmes (acoplados à projeção), mas como o público se retirava após a palavra “Fim” (The End) – abolida por Hollywood após os anos 70 – eles passaram a ser postos no início das sessões (leia na
Wikipedia). O nome ficou, e hoje os trailers são o 3º tipo de vídeo mais visto na internet.

Voltando aos trêileres de cachorro-quente, os microempresários ambulantes gozaram de popularidade e um dia foram levados pelos tempos, como qualquer reboque. Em Pelotas, ainda existem o Circulu’s, o Sanata, o Amarelinho, mas, para sobreviver, perderam a mobilidade: ficaram cimentados no espaço público, transformados em residência fixa de sanduíches. Tinham nomes como Cachorrão, Big Dog, Frango Dog, Mundo Cão, alusivos a cachorros que nunca eram vistos (nem comidos, espero).

Os embutidos de carne foram trazidos à América no século XIX por alemães. Seus complicados nomes não pegaram: Weisswurst (salsicha branca), Frankfurter Würstchen (salsichinha de Frankfurt), Wiener Würstchen (salsichinha de Viena) e mais uma centena de tipos. No Brasil dizemos “salsicha”, palavra tirada do italiano salsiccia, por sua vez do latim, significando exatamente o que parece: comida com sal, temperada (a referência foi ao sabor salgado desse alimento).

Onde entraram os cachorros? Atribui-se a um cartunista americano a expressão hot dog em referência a um pão com salsicha, mas os pesquisadores dizem que o povo já relacionava esse prato com a espécie canina (veja na
Wikipedia). A alusão pode ter sido ao misterioso conteúdo (carne de cachorro) ou à forma da salsicha (alongada como um dachshund, em alemão cão-texugo) ou aos dois motivos. O caso é que o nome em inglês se difundiu pelo mundo. No Brasil traduzimos e abreviamos para “cachorro”.

Na América do Sul, os tais sanduíches precisavam de um nome à moda hispânica. Obviamente, esse nome iria confundir-se com a salsicha, seu recheio. No Chile, vienesa ou “salsicha vienense” é o embutido e o sanduíche feito com ele. Busquei em três etimologistas argentinos, mas não convencem sobre o porquê de “pancho” se referir ao mesmo hot dog. Especulam que seria uma mistura de pan (pão) e chorizo ou salchicha. No entanto, posso dar como certo que a criatividade popular adaptou o nome “Frankfurter” para o apelido de Francisco (Pancho), assim como nos Estados Unidos um dos apelidos da salsicha é frank.

Francisco Antônio Vidal, 49, é psicólogo formado no Chile, mestre em Saúde e Comportamento (UCPel, 2010), editor do blogue Pelotas, Capital Cultural (aqui) e etimologista autodidata. É colaborador do Alquimia com a seção Palavras sobre Palavras. Com este texto, acabou por colaborar também com Histórias de Pelotas. Desejo-lhes uma excelente semana!

Nenhum comentário: